terça-feira, 20 de agosto de 2013

DA CIÊNCIA DO ETHOS A ÉTICA E SUA RELAÇÃO NO INDIVÍDUO ENQUANTO SOCIEDADE




 
Por:  EDNEY DE OLIVEIRA DA SILVA

Trabalho apresentado como requisito para avaliação parcial do primeiro NPC1, na disciplina Ética I, da Faculdade de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará – UECE.
Orientador: Professor Mestre Damião Candido de Sousa.


INTRODUÇÃO


O presente trabalho discorrerá sobre a obra de Henrique C. de Lima Vaz, mais especificamente nos Escritos de Filosofia II, Ética e Cultura, onde o autor nos esclarece pontos de suma importância sobre ética e cultura, desde sua origem na Grécia antiga como ethos, passando pela Ciência do ethos, até alcançar a Ética, com sua influência sobre a sociedade moderna ocidental.
No primeiro momento, discorreremos sobre o ethos na sua gênese, pautando nossa atenção na definição do termo, o qual possui duas matizes na sua grafia grega, a saber: ethos iniciando com a letra grega eta, e ethos iniciando com a letra grega épsilon, respectivamente, ethos como costume, que significa a morada do animal em geral, a morada e casa do homem, porém, não uma morada completa e perfeita, mas uma morada que encontra-se em constante transformação, onde este homem busca sempre a sua segurança e a dos seus semelhantes, já o ethos como hábito, é a constante repetição dessas normas e costumes, que criam no indivíduo ações virtuosas e sábias.
No segundo momento, trataremos do círculo dialético do ethos, quando o ethos como costume é tomado como consciência pelo indivíduo, agora, não mais pelo domínio da necessidade da natureza, mas movido por situações diferente que reconstruídas pelo homem, geram ações que, com o advento do tempo são fortalecidas pelas práxis, que se instituíram como regras, normas sociais, interditos e cultura e, essas regras colocadas em pratica, repetidas várias vezes, tornam-se o ethos como hábito, que passa assim, a ser ação ética, virtude e sabedoria, um homem pautado pelo comprometimento da busca exacerbada pelo bem comum a todos, assim, essas ações saem do particular e tornam-se ações universais, praticadas por todos os homens, regidos agora pela lei, lei esta que é obedecida voluntariamente por cada homem virtuoso e sábio.
No terceiro momento, discorremos sobre a livre transgressão do indivíduo em transgredir a ciência do ethos, sob a visão duas vertentes, quais sejam, a negação simples, pura e completa do ethos e, a transgressão do ethos como conflito de valores.    


SIGNIFICAÇÃO DO TERMO ETHOS

 
Na Grécia antiga se entendia que o ethos e a physis não poderiam ser demonstrados, haja vista, que tanto ethos, quanto à physis são a manifestação do ser ou da sua presença. Sendo que o ethos se eleva sobre a physis por meio da práxis, chegando a dominar a necessidade da natureza, por intermédio da constância do hábito. Conforme se observa, o termo ethos possui duas matizes: a primeira que se inicia com a letra grega eta, e a segunda que se inicia com a letra grega épsilon, no primeiro vocábulo, o ethos iniciado com eta, significa a habitação do animal em geral, a morada do homem, é também a forma e a maneira deste homem habitá-lo, transformá-lo, e construí-lo, em um contínuo processo de movimento, fazendo com que esta morada esteja sempre em construção ou reconstrução. Nesse sentido, a dominação da physis ou o reino da necessidade é sucumbido pela expansão do espaço do ethos, que passa a impor seus desígnios por intermédio dos costumes, dos hábitos, das normas e das proibições, então, o ethos passa a ser entendido como ato de rotina, aquilo que se pratica costumeiramente, “Este sentido de um lugar de estada permanente e habitual, de um abrigo protetor, constitui a raiz semântica que dá origem a significação do ethos como costume, esquema praxeológico durável, estilo de vida e ação”[1].
Nessa morada do ethos, os homens, sentiam-se em segurança, significando que, se eles andassem de acordo com as leis e os costumes, poderiam torná-la melhor e encontrar nela sua proteção e seu abrigo seguro. Essa busca pela proteção e abrigo seguro foi definida por Platão como, procura incessante pela presença exigente do bem, que não se encontra no homem, pois está sempre em processo inacabado e incompleto  “...e que Platão designou como presença exigente do Bem, que está além de todo ser (ousía) ou para além do que se mostra acabado e completo.”[2], a partir do momento em que o homem adentra ao espaço do ethos como costume e conseqüentemente passa a moldá-lo, em prol do bem comum, o logos torna-se compreensão e expressão desse mesmo homem, como exigência de um dever-ser, ou do bem platônico. O indivíduo passa a agir de acordo com a exigência do bem comum a todos os homens, procurando o bem não para si, mas o bem para todos. É, nessa compreensão de um saber racional do ethos, que se dão os primeiros passos em direção a Ética, como nós a conhecemos e recebemos por intermédio da tradição filosófica do ocidente.      
 Já o ethos iniciado com épsilon, refere-se à constância do comportamento do homem, resultando de um constante repetir-se dos mesmos atos.

O ethos, nesse caso, denota uma constância no agir que se contrapõe ao impulso do desejo (órexis). Essa constância do ethos como disposição é a manifestação e como que o vinco profundo do ethos como costume, seu fortalecimento e relevo dados às suas peculiaridades.  Modo de agir (tropos) do indivíduo, expressão da sua personalidade ética, deverá traduzir, finalmente, a articulação entre ethos como caráter e o ethos como hábito.[3]    


Nesse sentido, o ethos com épsilon, inicia um processo ativo de disposição habitual para o homem agir de certa maneira nas mais diversas situações a ele imposta, tornando-o capaz de ter autocontrole sobre si, agindo não mais por impulso dos desejos, nem tampouco, por virtude de uma necessidade natural, mas, agindo conforme a virtude do bem, a ele dispensada pelo ato contínuo da repetição das suas ações éticas, fazendo com que o homem, seja um ser virtuoso em suas ações.

Mas, se o ethos (com épsilon inicial) designa o processo genético do hábito ou da disposição habitual para agir de uma certa meneira, o termo dessa gênese do ethos  - sua forma acabada e o seu fruto – é designado pelo termo hexis, que significa o hábito como possessão estável, como princípio próximo de uma ação posta sob o senhorio do agente e que exprime a sua autárkeia, o seu domínio de si mesmo, o seu bem. Entre o processo de formação do hábito e o seu termo como disposição permanente para agir de acordo com as exigências de realização do bem ou do melhor, o ethos se desdobrar como espaço da realização do homem, ou ainda como lugar privilegiado de inscrição da sua práxis. [4]


Assim, podemos descrever o ethos com eta, como ethos como costume e o ethos com épsilon, como ethos como hábito, o primeiro designa a ação do homem sobre a sua morada, no sentido de transformá-la, tornando-a habitável e segura para todos, por meio de regras de conduta, permitidas e as não permitidas, ou seja, ações que são licitas de se praticarem e, ações que são ilícitas de se praticarem por todos os indivíduos, que a ela se submetem e, o segundo, no sentido de repetir essas ações, fazendo com que elas o tornem apto a escolher sempre o ideal do bem, em prol de todos os homens. Com essa pratica os seres humanos tornam-se virtuosos em suas ações, eles percebem a situação e escolhem a opção correta, portanto, nessa concepção os homens, tornam-se indivíduos sábios. 
 
 CÍRCULO DIALÉTICO DO ETHOS


Como se deduziu acima da semântica da ciência do ethos, um é o ethos como costume e, o outro é o ethos como hábito, ambos, enquanto práxis se completam em um círculo dialético, de um processo constante e estruturado, por meio de uma circularidade causal de momentos, sendo mediada por essa ação ética, de causa e efeito, pois o ethos como costume é o princípio normativo que norteia o ethos como hábito, “O ethos como costume, ou na sua realidade histórico-social, é princípio e norma dos atos que irão plasmar o ethos como hábito (ethos-hexis).”[5].  Assim, quanto mais o homem toma consciência do ethos como costume e, isso por intermédio das regras, quer sejam permitidas e interditas, e de posse desses costumes, este ser humano passa a colocá-lo em ação, em um constante repetir-se do ethos, agora, não mais como costume, mas como hábito, esse ethos torna-se ação ética, a causa são as ações do ethos como costume e, o efeito é o repetir-se do ethos como hábito, o qual torna os homens indivíduos virtuosos, sábios e conseqüentemente éticos. “A ação ética procede do ethos como do seu princípio objetivo e a ele retorna como a seu fim realizado na forma do existir virtuoso.”[6].
Nessa relação de circularidade dialética do ethos, observamos claramente a necessidade do cumprimento do ethos por parte de cada homem, não mais apenas como costume, mas como lei, porquanto, o conteúdo da ação ética assume agora posição de lei perante cada indivíduo, os quais se submetem voluntariamente procurando viver sob a égide da lei, “O ethos como lei é, verdadeiramente, a casa ou a morada da liberdade.”[7], pois nem mesmo em uma estrutura social livre, os seus indivíduos tomam atitudes ao acaso, como diz o autor do livro:

Como é notório, do ponto de vista da estrutura social, o indivíduo não se apresenta como molécula livre, movendo-se desordenadamente num espaço sem direções privilegiadas e regido apenas pela lei da probabilidade do choque com outras moléculas – os outros indivíduos. Uma cadeia complexa de mediações ordena os movimentos do indivíduo no todo social e, entre elas, desenrolam-se as mediações que integram o indivíduo ao ethos: os hábitos no próprio indivíduo e, na sociedade, os costumes e normas das esferas particulares nas quais se exercerá sua práxis, ou seja, trabalho, cultura, política e convivência social.[8]
 
Nesse sentido e, a fim de buscar o bem da coletividade em uma convivência melhor entre todos os indivíduos, o homem passa por intermédio da lei que é a verdadeira liberdade, a respeitar as normas sociais. O homem agora é livre, posto que, a partir desse momento do ethos como lei, ele toma consciência por meio da razão de quais atitudes éticas serão boas para si, e para a sociedade onde vive. Ele passa a habitar a casa da liberdade, toma parte das ações que lhe ajudarão a ser cada dia um indivíduo melhor, virtuoso e sábio, bem como, mais atuante no centro da sociedade onde vive.
 
O INDIVÍDUO E A LIVRE TRANSGRESSÃO DA CIÊNCIA DO ETHOS
 
Para o autor ora estudado, existe uma crise do ethos na moderna sociedade ocidental “Se levarmos em conta, por um lado, essa essencial relação entre ethos e tradição e, por outro, a estrutura dialética circular do tempo da tradição ética, poderemos compreender melhor a profundidade da crise do ethos na moderna sociedade ocidental”[9], a distinção Aristotélica do ethos em virtudes morais e virtudes intelectuais, inaugura uma nova fase do ethos na estrutura histórico-social grega, com o surgimento do logos de forma reflexiva e aparecendo no domínio da práxis, ou seja, tradição e razão, essa dualidade oscilará no destino do ethos na sociedade ocidental e a emancipação dessa oscilação pendendo para um dos lados, será responsável pelos momentos de crise e pelas transformações das normas éticas dessa mesma sociedade ocidental.
A tradição é a transmissão de uma riqueza simbólica que é passada de geração para geração por meio de seus agentes, essa transmissão é assimilada pelo indivíduo, ao mesmo tempo em que se torna cultura, ou seja, o passado se faz presente por meio da tradição, essa tradicionalidade, também chamada de poder-ser, é constitutivo essencial do ethos como costume e hábito, culminando na praxis ética. Esse sentido da tradição como poder-ser, é a princípio fator constitutivo entre tradição e razão, passado e futuro, nas palavras do autor “Em outras palavras, a tradicionalidade do ethos não deve ser pensada em oposição à liberdade e autonomia do agente ético, não obstante o fato de que tal oposição se tenha constituído num dos traços mais salientes do individualismo moderno”[10]
Nesse sentido, a tradicionalidade não deve perpassar o movimento dialético do ethos, como fator normativo da razão nesse mesmo ethos em prol da sociedade, ocorre que o contrário é prevalecente, haja vista, que os ditames da ética muitas vezes são regidos pela tradição, imposta, como se tivesse o mesmo sentido de sua época, como é o caso da ética definida pela condição econômica de cada indivíduo, “O advento de uma sociedade na qual o econômico alcançou uma dimensão e um peso enormes tornou aguda e atual a questão da natureza e alcance do influxo exercido pela esfera da produção sobre as outras esferas e subconjuntos da sociedade”[11], esse tipo de sociedade, onde a pessoa é avaliada pelo poder econômico que possui, e que é chamado por alguns historiadores como a economia-mundo, não é uma ética perfeita em nenhum sentido, “A riqueza se produz indefinidamente, circula e se consome: é por excelência o reino do mau infinito”[12].
Temos em conseqüência deste tipo de ética um conflito gerado pelo pensamento de liberdade, agora, não mais pelo indivíduo empírico, particular, porém, se sobressai o indivíduo universal concreto, que pelas qualidades éticas virtuosas passa a raciocinar sobre o bem e a sabedoria, que lhe conduzirão para uma ética saudável, “Nesse sentido, o conflito ético não é uma eventualidade acidental mas uma componente estrutural da historicidade do ethos.”[13], a partir daí, iniciasse um embate, um verdadeiro conflito do ethos, que se vislumbra em duas vertentes, a saber: uma de negação simples e pura do ethos, que o autor denomina de niilismo ético, uma ruptura no processo do ethos, tanto como costume, como hábito e como virtude. A outra vertente passa a ser considerada como conflito ético de valores, quando esse indivíduo ético, elabora novas interpretações com significados mais exigentes e profundos acerca do ethos.

Ele se dá propriamente no campo dos valores e seu portador não é o indivíduo empírico, mas o indivíduo ético que se faz intérprete de novas e mais profundas exigências do ethos. Somente uma personalidade ética excepcional é capaz de viver o conflito ético nas suas implicações mais radicais e tronar-se anunciadora de novos paradigmas éticos, como foi ocaso na vida e no ensinamento de Buda, de Sócrates e de Jesus.[14]

No niilismo, temos um indivíduo que nega completamente o ethos, se revolta até mesmo com a própria lei, não tendo a que ou a quem respeitar volta ao domínio da necessidade, agindo pura e simplesmente pelo impulso. Já no conflito de valores o indivíduo tomado pela razão se sobressai aos costumes, regras e rotina implantados, não como uma simples revolta contra a lei, mas de forma racional, passa a interpretá-la em um sentido muito mais profundo e exigente.    
 
CONCLUSÃO
 
Nesta obra, Henrique C. de Lima Vaz, nos faz refletir sobre um tema que ainda hoje é bastante peculiar para a sociedade hodierna. A questão da Ética. Iniciando seus estudos nos primórdios da sociedade grega, o autor nos revela como se deu a formação da ética, sua conceituação e seus objetivos, partindo da vertente da ética, como embrião do ethos grego, dividida em duas matizes, ou seja, o ethos como costume e o ethos como hábito, o autor nos faz refletir sobre a história da sociedade grega no momento histórico, passando pela ciência do ethos, até culminar na ética, a qual será adotada pela sociedade ocidental moderna.
Por fim, essa reflexão sobre o ethos grego, chegando até a ética herdada pela sociedade ocidental, me fez compreender e entender, que para o indivíduo ser ético é necessário ser possuidor de um espírito virtuoso, que o faça por intermédio das regras sociais, costumes e cultura, escolher sempre as decisões corretas, fazendo com que essas decisões tornem-se rotinas e, ao mesmo tempo possam lhe trazer benefícios para si e para os indivíduos que o cercam. Quando isso acontece essas decisões passam do nível particular para o universal, tornando-se, em leis justas, que por meio da voluntariedade de cada indivíduo, serão cumpridas a risca, e tornará a ética uma morada segura para o homem. Quando isso não acontece e a ética é tomada simplesmente pela direção da tradição, sem levar em conta a liberdade de autonomia de cada indivíduo, por meio de sua razão, essa ética pode ser transgredida, o que ocorre por meio de um conflito, que se desenvolve em duas direções, a primeira leva a negação total do ethos, em que o indivíduo não mais caminha pela ética, mais passa a transgredi-la em uma revolta total ao ethos e a lei, a segunda direção baseia-se em um conflito de valores em que o indivíduo, passa por meio da razão a interpretar o ethos de forma a transformá-lo em uma ética superior, mais profunda e exigente, tornando assim a morada do homem cada vez mais habitável e segura.

 
REFERÊNCIA


 VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Escritos de filosofia. II. Ética e cultura. São Paulo: Loyola, 1993.
 
Notas:

[1] Vaz, Henrique C. de Lima, Escritos de Filosofia II, Ética e Cultura. p 13.
[2] Idem. p. 13
[3] Vaz, Henrique C. de Lima, Escritos de Filosofia II, Ética e Cultura. p 14.
[4] Idem. p. 14
[5] Vaz, Henrique C. de Lima, Escritos de Filosofia II, Ética e Cultura. p 15.
[6] Idem. p.16.
[7] Idem. p. 16.
[8] Idem. p. 23.
[9] Vaz, Henrique C de Lima, Escritos de Filosofia II, Ética e Cultura. p 20.
[10] Idem. p. 21.
[11] Idem. p 23.
[12] Vaz, Henrique C de Lima, Escritos de Filosofia II, Ética e Cultura. p 24
[13] Idem. p. 21.
[14] Idem. p. 30

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