Por: EDNEY DE OLIVEIRA DA SILVA
Trabalho apresentado como
requisito para avaliação parcial do primeiro NPC1, na disciplina Ética I, da
Faculdade de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará – UECE.
Orientador: Professor Mestre
Damião Candido de Sousa.
INTRODUÇÃO
O
presente trabalho discorrerá sobre a obra de Henrique C. de Lima Vaz, mais
especificamente nos Escritos de Filosofia II, Ética e Cultura, onde o autor nos
esclarece pontos de suma importância sobre ética e cultura, desde sua origem na
Grécia antiga como ethos, passando pela Ciência do ethos, até alcançar a Ética,
com sua influência sobre a sociedade moderna ocidental.
No primeiro
momento, discorreremos sobre o ethos na sua gênese, pautando nossa atenção na
definição do termo, o qual possui duas matizes na sua grafia grega, a saber:
ethos iniciando com a letra grega eta, e ethos iniciando com a letra grega
épsilon, respectivamente, ethos como costume, que significa a morada do animal
em geral, a morada e casa do homem, porém, não uma morada completa e perfeita,
mas uma morada que encontra-se em constante transformação, onde este homem
busca sempre a sua segurança e a dos seus semelhantes, já o ethos como hábito,
é a constante repetição dessas normas e costumes, que criam no indivíduo ações
virtuosas e sábias.
No
segundo momento, trataremos do círculo dialético do ethos, quando o ethos como
costume é tomado como consciência pelo indivíduo, agora, não mais pelo domínio
da necessidade da natureza, mas movido por situações diferente que
reconstruídas pelo homem, geram ações que, com o advento do tempo são fortalecidas
pelas práxis, que se instituíram como regras, normas sociais, interditos e
cultura e, essas regras colocadas em pratica, repetidas várias vezes, tornam-se
o ethos como hábito, que passa assim, a ser ação ética, virtude e sabedoria, um
homem pautado pelo comprometimento da busca exacerbada pelo bem comum a todos,
assim, essas ações saem do particular e tornam-se ações universais, praticadas
por todos os homens, regidos agora pela lei, lei esta que é obedecida
voluntariamente por cada homem virtuoso e sábio.
No
terceiro momento, discorremos sobre a livre transgressão do indivíduo em
transgredir a ciência do ethos, sob a visão duas vertentes, quais sejam, a
negação simples, pura e completa do ethos e, a transgressão do ethos como
conflito de valores.
SIGNIFICAÇÃO DO TERMO ETHOS
Na
Grécia antiga se entendia que o ethos e a physis não poderiam ser demonstrados,
haja vista, que tanto ethos, quanto à physis são a manifestação do ser ou da
sua presença. Sendo que o ethos se eleva sobre a physis por meio da práxis,
chegando a dominar a necessidade da natureza, por intermédio da constância do
hábito. Conforme se observa, o termo ethos possui duas matizes: a primeira que
se inicia com a letra grega eta, e a segunda que se inicia com a letra grega
épsilon, no primeiro vocábulo, o ethos iniciado com eta, significa a habitação
do animal em geral, a morada do homem, é também a forma e a maneira deste homem
habitá-lo, transformá-lo, e construí-lo, em um contínuo processo de movimento,
fazendo com que esta morada esteja sempre em construção ou reconstrução. Nesse
sentido, a dominação da physis ou o reino da necessidade é sucumbido pela
expansão do espaço do ethos, que passa a impor seus desígnios por intermédio
dos costumes, dos hábitos, das normas e das proibições, então, o ethos passa a ser
entendido como ato de rotina, aquilo que se pratica costumeiramente, “Este
sentido de um lugar de estada permanente e habitual, de um abrigo protetor,
constitui a raiz semântica que dá origem a significação do ethos como costume,
esquema praxeológico durável, estilo de vida e ação”[1].
Nessa
morada do ethos, os homens, sentiam-se em segurança, significando que, se eles
andassem de acordo com as leis e os costumes, poderiam torná-la melhor e
encontrar nela sua proteção e seu abrigo seguro. Essa busca pela proteção e
abrigo seguro foi definida por Platão como, procura incessante pela presença
exigente do bem, que não se encontra no homem, pois está sempre em processo
inacabado e incompleto “...e que Platão
designou como presença exigente do Bem, que está além de todo ser (ousía) ou para além do que se mostra
acabado e completo.”[2], a partir
do momento em que o homem adentra ao espaço do ethos como costume e
conseqüentemente passa a moldá-lo, em prol do bem comum, o logos torna-se
compreensão e expressão desse mesmo homem, como exigência de um dever-ser, ou
do bem platônico. O indivíduo passa a agir de acordo com a exigência do bem
comum a todos os homens, procurando o bem não para si, mas o bem para todos. É,
nessa compreensão de um saber racional do ethos, que se dão os primeiros passos
em direção a Ética, como nós a conhecemos e recebemos por intermédio da
tradição filosófica do ocidente.
Já o ethos iniciado com épsilon, refere-se à
constância do comportamento do homem, resultando de um constante repetir-se dos
mesmos atos.
O ethos,
nesse caso, denota uma constância no agir que se contrapõe ao impulso do desejo
(órexis). Essa constância do ethos como disposição é a manifestação e
como que o vinco profundo do ethos
como costume, seu fortalecimento e relevo dados às suas peculiaridades. Modo de agir (tropos) do indivíduo, expressão da sua personalidade ética, deverá
traduzir, finalmente, a articulação entre ethos
como caráter e o ethos como
hábito.[3]
Nesse
sentido, o ethos com épsilon, inicia um processo ativo de disposição habitual
para o homem agir de certa maneira nas mais diversas situações a ele imposta,
tornando-o capaz de ter autocontrole sobre si, agindo não mais por impulso dos
desejos, nem tampouco, por virtude de uma necessidade natural, mas, agindo
conforme a virtude do bem, a ele dispensada pelo ato contínuo da repetição das
suas ações éticas, fazendo com que o homem, seja um ser virtuoso em suas ações.
Mas, se o ethos (com épsilon inicial) designa o processo genético do hábito ou da
disposição habitual para agir de uma certa meneira, o termo dessa gênese do ethos
- sua forma acabada e o seu fruto – é designado pelo termo hexis, que significa o hábito como
possessão estável, como princípio próximo de uma ação posta sob o senhorio do
agente e que exprime a sua autárkeia,
o seu domínio de si mesmo, o seu bem. Entre o processo de formação do hábito e
o seu termo como disposição permanente para agir de acordo com as exigências de
realização do bem ou do melhor, o ethos se desdobrar como espaço da realização
do homem, ou ainda como lugar privilegiado de inscrição da sua práxis. [4]
Assim,
podemos descrever o ethos com eta, como ethos como costume e o ethos com
épsilon, como ethos como hábito, o primeiro designa a ação do homem sobre a sua
morada, no sentido de transformá-la, tornando-a habitável e segura para todos, por
meio de regras de conduta, permitidas e as não permitidas, ou seja, ações que
são licitas de se praticarem e, ações que são ilícitas de se praticarem por
todos os indivíduos, que a ela se submetem e, o segundo, no sentido de repetir
essas ações, fazendo com que elas o tornem apto a escolher sempre o ideal do
bem, em prol de todos os homens. Com essa pratica os seres humanos tornam-se
virtuosos em suas ações, eles percebem a situação e escolhem a opção correta,
portanto, nessa concepção os homens, tornam-se indivíduos sábios.
CÍRCULO DIALÉTICO DO ETHOS
Como
se deduziu acima da semântica da ciência do ethos, um é o ethos como costume e,
o outro é o ethos como hábito, ambos, enquanto práxis se completam em um
círculo dialético, de um processo constante e estruturado, por meio de uma
circularidade causal de momentos, sendo mediada por essa ação ética, de causa e
efeito, pois o ethos como costume é o princípio normativo que norteia o ethos
como hábito, “O ethos como costume,
ou na sua realidade histórico-social, é princípio e norma dos atos que irão
plasmar o ethos como hábito (ethos-hexis).”[5]. Assim, quanto mais o homem toma consciência do
ethos como costume e, isso por intermédio das regras, quer sejam permitidas e
interditas, e de posse desses costumes, este ser humano passa a colocá-lo em
ação, em um constante repetir-se do ethos, agora, não mais como costume, mas
como hábito, esse ethos torna-se ação ética, a causa são as ações do ethos como
costume e, o efeito é o repetir-se do ethos como hábito, o qual torna os homens
indivíduos virtuosos, sábios e conseqüentemente éticos. “A ação ética procede
do ethos como do seu princípio objetivo e a ele retorna como a seu fim
realizado na forma do existir virtuoso.”[6].
Nessa
relação de circularidade dialética do ethos, observamos claramente a
necessidade do cumprimento do ethos por parte de cada homem, não mais apenas
como costume, mas como lei, porquanto, o conteúdo da ação ética assume agora posição
de lei perante cada indivíduo, os quais se submetem voluntariamente procurando
viver sob a égide da lei, “O ethos como lei é, verdadeiramente, a casa ou a
morada da liberdade.”[7], pois nem
mesmo em uma estrutura social livre, os seus indivíduos tomam atitudes ao
acaso, como diz o autor do livro:
Como é notório, do ponto de vista da estrutura social,
o indivíduo não se apresenta como molécula livre, movendo-se desordenadamente
num espaço sem direções privilegiadas e regido apenas pela lei da probabilidade
do choque com outras moléculas – os outros indivíduos. Uma cadeia complexa de
mediações ordena os movimentos do indivíduo no todo social e, entre elas,
desenrolam-se as mediações que integram o indivíduo ao ethos: os hábitos no próprio indivíduo e, na sociedade, os costumes
e normas das esferas particulares nas quais se exercerá sua práxis, ou seja, trabalho, cultura,
política e convivência social.[8]
Nesse
sentido e, a fim de buscar o bem da coletividade em uma convivência melhor entre
todos os indivíduos, o homem passa por intermédio da lei que é a verdadeira
liberdade, a respeitar as normas sociais. O homem agora é livre, posto que, a
partir desse momento do ethos como lei, ele toma consciência por meio da razão
de quais atitudes éticas serão boas para si, e para a sociedade onde vive. Ele
passa a habitar a casa da liberdade, toma parte das ações que lhe ajudarão a
ser cada dia um indivíduo melhor, virtuoso e sábio, bem como, mais atuante no centro
da sociedade onde vive.
O INDIVÍDUO E
A LIVRE TRANSGRESSÃO DA CIÊNCIA DO ETHOS
Para
o autor ora estudado, existe uma crise do ethos na moderna sociedade ocidental
“Se levarmos em conta, por um lado, essa essencial relação entre ethos e
tradição e, por outro, a estrutura dialética circular do tempo da tradição
ética, poderemos compreender melhor a profundidade da crise do ethos na moderna
sociedade ocidental”[9], a
distinção Aristotélica do ethos em virtudes morais e virtudes intelectuais,
inaugura uma nova fase do ethos na estrutura histórico-social grega, com o
surgimento do logos de forma reflexiva e aparecendo no domínio da práxis, ou
seja, tradição e razão, essa dualidade oscilará no destino do ethos na
sociedade ocidental e a emancipação dessa oscilação pendendo para um dos lados,
será responsável pelos momentos de crise e pelas transformações das normas
éticas dessa mesma sociedade ocidental.
A
tradição é a transmissão de uma riqueza simbólica que é passada de geração para
geração por meio de seus agentes, essa transmissão é assimilada pelo indivíduo,
ao mesmo tempo em que se torna cultura, ou seja, o passado se faz presente por
meio da tradição, essa tradicionalidade, também chamada de poder-ser, é
constitutivo essencial do ethos como costume e hábito, culminando na praxis
ética. Esse sentido da tradição como poder-ser, é a princípio fator
constitutivo entre tradição e razão, passado e futuro, nas palavras do autor
“Em outras palavras, a tradicionalidade do ethos não deve ser pensada em
oposição à liberdade e autonomia do agente ético, não obstante o fato de que
tal oposição se tenha constituído num dos traços mais salientes do
individualismo moderno”[10]
Nesse
sentido, a tradicionalidade não deve perpassar o movimento dialético do ethos,
como fator normativo da razão nesse mesmo ethos em prol da sociedade, ocorre
que o contrário é prevalecente, haja vista, que os ditames da ética muitas
vezes são regidos pela tradição, imposta, como se tivesse o mesmo sentido de
sua época, como é o caso da ética definida pela condição econômica de cada
indivíduo, “O advento de uma sociedade na qual o econômico alcançou uma
dimensão e um peso enormes tornou aguda e atual a questão da natureza e alcance
do influxo exercido pela esfera da produção sobre as outras esferas e
subconjuntos da sociedade”[11], esse tipo
de sociedade, onde a pessoa é avaliada pelo poder econômico que possui, e que é
chamado por alguns historiadores como a economia-mundo, não é uma ética perfeita
em nenhum sentido, “A riqueza se produz indefinidamente, circula e se consome:
é por excelência o reino do mau infinito”[12].
Temos
em conseqüência deste tipo de ética um conflito gerado pelo pensamento de
liberdade, agora, não mais pelo indivíduo empírico, particular, porém, se
sobressai o indivíduo universal concreto, que pelas qualidades éticas virtuosas
passa a raciocinar sobre o bem e a sabedoria, que lhe conduzirão para uma ética
saudável, “Nesse sentido, o conflito ético não é uma eventualidade acidental
mas uma componente estrutural da historicidade do ethos.”[13], a partir
daí, iniciasse um embate, um verdadeiro conflito do ethos, que se vislumbra em
duas vertentes, a saber: uma de negação simples e pura do ethos, que o autor
denomina de niilismo ético, uma ruptura no processo do ethos, tanto como
costume, como hábito e como virtude. A outra vertente passa a ser considerada como
conflito ético de valores, quando esse indivíduo ético, elabora novas
interpretações com significados mais exigentes e profundos acerca do ethos.
Ele se dá propriamente no campo dos valores e seu
portador não é o indivíduo empírico, mas o indivíduo ético que se faz
intérprete de novas e mais profundas exigências do ethos. Somente uma
personalidade ética excepcional é capaz de viver o conflito ético nas suas
implicações mais radicais e tronar-se anunciadora de novos paradigmas éticos,
como foi ocaso na vida e no ensinamento de Buda, de Sócrates e de Jesus.[14]
No
niilismo, temos um indivíduo que nega completamente o ethos, se revolta até
mesmo com a própria lei, não tendo a que ou a quem respeitar volta ao domínio
da necessidade, agindo pura e simplesmente pelo impulso. Já no conflito de
valores o indivíduo tomado pela razão se sobressai aos costumes, regras e
rotina implantados, não como uma simples revolta contra a lei, mas de forma
racional, passa a interpretá-la em um sentido muito mais profundo e
exigente.
CONCLUSÃO
Nesta
obra, Henrique C. de Lima Vaz, nos faz refletir sobre um tema que ainda hoje é
bastante peculiar para a sociedade hodierna. A questão da Ética. Iniciando seus
estudos nos primórdios da sociedade grega, o autor nos revela como se deu a
formação da ética, sua conceituação e seus objetivos, partindo da vertente da
ética, como embrião do ethos grego, dividida em duas matizes, ou seja, o ethos
como costume e o ethos como hábito, o autor nos faz refletir sobre a história
da sociedade grega no momento histórico, passando pela ciência do ethos, até
culminar na ética, a qual será adotada pela sociedade ocidental moderna.
Por
fim, essa reflexão sobre o ethos grego, chegando até a ética herdada pela
sociedade ocidental, me fez compreender e entender, que para o indivíduo ser ético
é necessário ser possuidor de um espírito virtuoso, que o faça por intermédio
das regras sociais, costumes e cultura, escolher sempre as decisões corretas,
fazendo com que essas decisões tornem-se rotinas e, ao mesmo tempo possam lhe
trazer benefícios para si e para os indivíduos que o cercam. Quando isso
acontece essas decisões passam do nível particular para o universal,
tornando-se, em leis justas, que por meio da voluntariedade de cada indivíduo,
serão cumpridas a risca, e tornará a ética uma morada segura para o homem.
Quando isso não acontece e a ética é tomada simplesmente pela direção da
tradição, sem levar em conta a liberdade de autonomia de cada indivíduo, por
meio de sua razão, essa ética pode ser transgredida, o que ocorre por meio de
um conflito, que se desenvolve em duas direções, a primeira leva a negação
total do ethos, em que o indivíduo não mais caminha pela ética, mais passa a
transgredi-la em uma revolta total ao ethos e a lei, a segunda direção
baseia-se em um conflito de valores em que o indivíduo, passa por meio da razão
a interpretar o ethos de forma a transformá-lo em uma ética superior, mais
profunda e exigente, tornando assim a morada do homem cada vez mais habitável e
segura.
REFERÊNCIA
VAZ,
Henrique Cláudio de Lima. Escritos de filosofia. II. Ética e cultura.
São Paulo: Loyola, 1993.
Notas:
[1] Vaz, Henrique C. de Lima, Escritos de Filosofia II,
Ética e Cultura. p 13.
[2] Idem. p. 13
[3] Vaz, Henrique C. de Lima, Escritos de Filosofia II,
Ética e Cultura. p 14.
[4] Idem. p. 14
[5] Vaz, Henrique C. de Lima, Escritos de Filosofia II,
Ética e Cultura. p 15.
[6] Idem. p.16.
[7] Idem. p. 16.
[8] Idem. p. 23.
[9] Vaz, Henrique C de Lima, Escritos de Filosofia II,
Ética e Cultura. p 20.
[10] Idem. p. 21.
[11] Idem. p 23.
[12] Vaz, Henrique C de Lima, Escritos de Filosofia II,
Ética e Cultura. p 24
[13] Idem. p. 21.
[14] Idem. p. 30
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