terça-feira, 27 de agosto de 2013

Direitos Humanos


SOBRE A CRÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS E DA IDEOLÓGIA DO ESCLARECIMENTO, SEGUNDO ROBERTO KURZ


  
Por: Edney de Oliveira da Silva      
Resumo: Quem em sã consciência seria contrário aos direitos humanos? O filósofo e sociólogo Roberto Kurz nos faz refletir que é possível sim ser contrário aos direitos humanos. Ele nos apresenta uma nova perspectiva quanto ao pensamento que desenvolveu os direitos humanos e como esse dito direitos humanos tem se apresentado na sociedade hodierna, de uma forma clara e precisa Roberto Kurz nos faz enxergar além das aparências de bondade dos direitos humanos e nos mostra qual a sua verdadeira finalidade.
 
Palavra-Chave: Direitos Humanos, Direito Natural, Mercado, Trabalho. 


I - INTRODUÇÃO

O presente artigo discorrerá sobre a tese do filósofo e sociólogo Robert Kurz, mais precisamente sua critica aos direitos humanos. Seu pensamento é nos apresentado de forma clara e objetiva, baseando suas afirmações de forma jurídica, ele percebe que o mesmo critério é utilizado para o reconhecimento dos indivíduos por parte os direitos humanos, sendo que o processo de transformação do indivíduo enquanto sujeito dos direitos humanos, tem como pressuposto o fator econômico em detrimento do próprio indivíduo enquanto pessoas em si, ela é desnuda de toda sua forma isso culturalmente e socialmente.
A fim de facilitar nosso estudo dividimos este artigo em duas partes: na primeira apresentamos uma breve e suscita história dos direitos humanos, abrangendo sua suposta origem e seu desenvolvimento através dos tempos, chegando até a modernidade com um discurso de igualdade e dignidade entre as pessoas. Já na segunda parte expomos os principais aspectos do paradoxo dos direitos humanos, em relação a suas próprias ações, que de certa forma são contraditórias e divergentes e que vistas do ponto de vista do autor representam uma verdadeira ameaça a dignidades das pessoas enquanto cidadãs possuidoras de direitos inalienáveis.

II – BREVE HISTÓRICO DOS DIREITOS HUMANOS

Com intuito de melhor expor a tese de Robert Kurz acerca de sua crítica aos Direitos Humanos, faz-se necessário, iniciar este artigo com um breve esboço histórico dos Direitos Humanos e a sua expansão no mundo hodierno. A princípio os direitos humanos são resultados de um longo e demorado processo histórico, tendo sido causa de debates calorosos por séculos entre teóricos e intelectuais. Segundo a Antropóloga Ivete Manetzeder, a gênese dos direitos humanos é uma combinação da filosofia Estóica, Iluminismo e Cristianismo.  

Nascidos da tradição ocidental (mas não inerentes a ela), numa combinação da filosofia estóica com o iluminismo, como querem alguns, ou no cristianismo, como querem outros, os direitos humanos, ainda como temas humanitários estóicos e cristãos, foram acolhidos pela tradição de mais de dois mil anos do Direito natural, estendendo-se desde a antigüidade até a jurisprudência racional da era moderna.[1]

Nessa tradição podemos perceber que o início dos direitos humanos remete-nos para a área da religião, mormente o Cristianismo, com sua afirmação da defesa da igualdade de todos os homens numa mesma dignidade, em que o indivíduo está no centro de uma ordem social e jurídica justa, bem como o estoicismo que propõe ao homem viver de acordo com a lei racional da natureza, daí o embrião do direito natural como forma do direito humano, que foi desenvolvido na Idade Média, pelos matemáticos cristãos.
Com o advento da Idade Moderna, os racionalistas dos séculos XVII e XVIII, reformularam a teoria do direito natural, tirando dela o caráter de submissão a ordem divina, com isso o direito natural deixou de ter seu foco no Cristianismo, e passou a basear-se na razão, para os filósofos racionalistas todos os homens são por natureza livres e têm certos direitos inatos de que não podem ser despojados quando entram em sociedade, tais como: direitos econômicos, políticos e religiosos. Foi esta corrente de pensamento que acabou por inspirar o atual sistema internacional de proteção dos direitos do homem.
Um dos principais fortalecimentos dos Direitos Humanos deu-se após a Segunda Grande Guerra Mundial, em 1945, quando foi criada a Organização das Nações Unidas – ONU, que tem como principal objetivo manter a paz, a segurança internacional, desenvolver relações amigáveis entre as nações, realizar a cooperação internacional resolvendo problemas internacionais de caráter econômico, social, intelectual e humanitário, desenvolver e encorajar o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais sem qualquer tipo de distinção.
Nesse contexto, firmam-se os Direitos Humanos modernos, uma forma de redoma protetora para os países que a ele se filiam por intermédio da ONU, Organização esta que de certa forma é capitaneada pelos Estados Unidos da América que comanda o restante dos países ricos e poderosos, assim seguindo essa política americana a ONU estabelece resoluções aos demais membros e, aqueles que as seguem fiel e cegamente vivem em demasiada paz, aos que lhe são contrários, cabem apenas sanções e proibições as mais diversas possíveis, inclusive uma completa inércia e indiferença ao valor do ser humano, pois quando a ONU, fecha os olhos às barbáries das guerras civis injustificáveis, mortes por inanição, extermínio e tráficos de drogas, só para citar alguns.

Ora, todos nós sabemos que persistentes violações dos direitos civis, políticos e sociais são tristes realidades em todas as regiões do mundo, sobretudo nos países periféricos nos quais atingem níveis de indecência e monstruosidade. Estas violações além da tortura e dos tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes, incluem as execuções sumárias e arbitrárias, os desaparecimentos, as detenções arbitrárias, o racismo em todas as suas formas, a discriminação racial e o apartheid, a ocupação e dominação estrangeiras, a xenofobia, a pobreza, a fome e outras denegações dos direitos econômicos, sociais e culturais, a intolerância religiosa, o terrorismo, a discriminação contra a mulher e o atropelo das normas jurídicas.[2]

Assim, quando a ONU se presta a esse desserviço, ela nega completamente seu papel, rotulado no primeiro capitulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, quando afirma “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”         

III. PARADOXO DOS DIREITOS HUMANOS

A grande questão dos direitos humanos para Roberto Kurz, não está na forma de suas ações, mas sim na contradição destas ações. “É em nome dos direitos humanos que cai a chuva de bombas; e é em nome dos direitos humanos que as vítimas são assistidas e consoladas.”[3], para o autor não se pode falar em direitos humanos enquanto, países ricos são validados por esse mesmo direitos humanos a realizarem verdadeiras matanças, muitas vezes com números de vítimas bem maiores que as barbáries dos ditadores e terroristas “Se há um direito à vida e à integridade física, como se pode aceitar então, com anuência, que as intervenções militares ocidentais matem mais pessoas inocentes que as atrocidades dos ditadores e dos terroristas?”[4], nesse sentido há para Roberto Kurz uma verdadeira contradição, ou seja, as grandes potencias mundiais que em certo sentido manipulam os direitos humanos apontam a arma em direção ao próprio pé “Trata-se simplesmente de uma incoerência do poder imperial ocidental que pisa em seus próprios princípios?”
Na perspectiva de Robert Kurz para “ser” ser humano é preciso estar condicionado às normas do mercado, é preciso produzir, ser ativo no plano econômico, participar de alguma forma do processo de valorização do capital, enfim é preciso ser capaz de trabalhar, ou seja, produzir a qualquer custo, chegando-se ao extremo de vender o próprio corpo, portanto, para o autor, ser humano é ser um simples objeto, em ação da liberdade do mercado.

Somente um ser que ganha dinheiro pode ser um sujeito do direito. A capacidade de entrar numa relação jurídica está ligada, portanto, à capacidade de participar de alguma maneira no processo de valorização do capital. Conforme essa definição, o ser humano tem de ser capaz de trabalhar, ele precisa vender a si mesmo ou alguma coisa (em caso de necessidade, próprios órgãos do corpo), sua existência deve satisfazer o critério da rentabilidade. Esse é o pressuposto tácito do direito moderno em geral, ou seja, também dos direitos humanos.[5]

Assim, o ser humano está condicionado a uma condição de completo abandono e, mesmo de desprezo, pois nessa ótica apresentada por Robert Kurz, o ser humano só vale alguma coisa quando ele pode pagar por suas dívidas. “Ano após ano morrem milhões de pessoas (inclusive crianças) de fome e enfermidades pela simples razão de não serem solventes.”[6], nesse sentido, podemos claramente aduzir da tese de Robert Kurz, que para os direitos humanos o ser humano é em princípio um ser solvente, e quanto mais solvente ele for mais humano ele será, por outro lado, o ser humano insolvente, não pode de nenhuma maneira ser considerado ser humano, ou seja, essa pessoa é tudo menos humano, ela é compara com a zoé, ou vida nua do filósofo italiano Giorgio Agamben.
A definição de ser humano para Robert Kurz encontra seu paradoxo na definição da forma do direito moderno, que segundo ele implica em uma relação de inclusão e exclusão, ou melhor, formulado de reconhecimento e não reconhecimento. Sendo esse reconhecimento uma forma de julgamento puramente exterior a pessoa, que é tratada como um ser humano abstrato, um ser totalmente abstraído de sua forma física, de suas necessidades corporais, sociais e culturais, uma mera abstração, que só possui sentido quando atrelado ao fator econômico, “O ser humano em geral visado pelos direitos humanos é o ser humano meramente abstrato, isto é, o ser humano enquanto portador e ao mesmo tempo escravo da abstração social dominante. E somente como este ser humano abstrato ele é universalmente reconhecido.”[7]. Prosseguindo, Roberto Kurz , esclarece que existe um verdadeiro processo seletivo de submissão e reconhecimento para transformação dos seres humanos em sujeito abstrato, portanto sujeitos do direitos humanos, sendo esse reconhecimento levado as últimas conseqüências e, caso não seja mais possível esse reconhecimento será utilizado, inclusive derramamento de sangue. “E caso necessário, os  mísseis ou, como ultima ratio, as bombas atômicas terminarão definitivamente o (procedimento de reconhecimento), afim de levar os indivíduos não mais capazes de reconhecimento ao status de matéria física”.[8]    
Dessa forma e, por esses motivos Roberto Kurz deduz que a promessa dos direitos humanos é sobretudo uma grande ameaça no sentido de apenas reconhecer o ser humano apto para ações desse mesmo direitos humanos na medida em que as pessoas são ou tornam-se um ser solvente e por conseguinte um ser humano.          
 
IV – CONCLUSÃO
 
 A tese apresentada por Robert Kurz, no que diz respeito a critica aos direitos humanos é por demais valiosa no sentido de que nos fazer refletir sobre a causa primeira desse direito, ninguém em sã consciência seria capaz de ser contrario aos direitos humanos na roupagem em que ele é apresentado hoje às pessoas. No entanto, Roberto Kurz nos mostra que essa roupagem a nós induzida é totalmente falsa e mais, é totalmente contrária aos ideais promovidos pelo próprio direitos humanos. Frases populares como “direitos humanos, para humanos direitos”, após o estudo dessa tese, tomou para mim outro significado, pois como pode haver humanos direitos se não há reconhecimento desses humanos por parte dos direitos humanos. Como seres humanos podem se tornar humanos direitos se há eles são negados direitos básicos como educação, saúde, segurança, moradia, lazer e, até mesmo o direito a própria vida, isso para citar apenas alguns. Pessoas são desrespeitadas todos os dias, seus direitos são simplesmente negados, sua cidadania não é levada a sério, são reduzidos a uma vida de sofrimento e solidão, verdadeiros guetos são formados com intuito de deixarem esquecidos no tempo e espaço pessoas que não são reconhecidas pelos ditos direitos humanos.
Por fim, a tese é bastante pertinente, pois nos faz refletir sobre a situação a que estamos submetidos, e como deixamos chegar a esta ponto. Será realmente necessário ao ser humano enquanto pessoa que ostenta uma cidadania, ser submetida ao reconhecimento dos seus direitos mediante sua situação econômica? Essa indagação a princípio parece ridícula e sem nexo, mas é justamente o que acontece, e sendo esta a situação atual, necessitamos de uma urgente transformação e reconhecimento não mais da pessoa pelos direitos humanos, mas ao contrario as pessoas é que devem reconhecer estes direitos humanos, a fim de transformá-los em uma situação a favor daqueles que realmente necessitem de seu apoio e, não que os direitos humanos tenham seu carro chefe organizações e até mesmo países ricos e poderosos e que só agem a favor dos seus supostos donos.  
 
BIBLIOGRAFIA

Os Paradoxos dos Direitos Humanos de Autoria do Filósofo Robert Kurz.


[1] Artigo: Paradoxo dos Direitos Humanos no Capitalismo Contemporâneo de Autoria da Antropóloga Ivete Manetzeder, pg 1.

[2] Artigo: Paradoxo dos Direitos Humanos no Capitalismo Contemporâneo de Autoria da Antropóloga Ivete Manetzeder, pg 2.
[3] Artigo: Os Paradoxos dos Direitos Humanos de Autoria do Filósofo Robert Kurz, pg. 1.
[4] Artigo: Os Paradoxos dos Direitos Humanos de Autoria do Filósofo Robert Kurz, pg. 1.
[5] Idem, pg. 2.
[6] Idem, pg. 1
[7] Artigo: Os Paradoxos dos Direitos Humanos de Autoria do Filósofo Robert Kurz, pg. 2.
[8] Idem, pg. 3.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Sensível ou Inteligível?


Olá pessoal. Ontem tive uma conversa com uma pessoa, que óbvio não vou revelar quem, nem onde, por várias razões e motivos, enfim, o que vai importar é o conteúdo da conversa e não seus personagens. Estávamos falando sobre vida, trabalho e satisfação no que esta pessoa me disse estar um pouco descontente com aquilo que faz e planeja mudar logo de vida. Nessa perspectiva resolvi perguntar o que significava o mundo? A resposta foi: O mundo é isto. Perguntei isto o que? Levantou os braços e apontou para as coisas ao nosso redor. Perguntei de novo, Se explique melhor, não estou entendedo? Ai tive outra resposta, o mundo é o que existe, o real.
Que coisa legal essa resposta, a partir daí não consegui mais parar de pensar sobre o assunto e, cheguei a algumas conclusões que podem estar certas ou erradas. Mas, vejamos: O mundo para esta pessoa são as coisas que existem e são reais, portanto, é o que ela vê, pega, sente, cheira e etc., assim o mundo para esta pessoa é a leitura que ela faz das coisas ao seu redor. Dessa forma penso eu, que o mundo torna-se subjetivo, ou seja, está sujeito a pessoa, que cria e passa a viver nesta realidade criada, logo, neste caso existem vários mundos, por quê? Dependendo da minha leitura de mundo, o meu pode ser diferente do seu. Uma pessoa que vive no deserto, onde só vê areia, vento, calor, e etc., terá uma concepção de mundo bem diferente do mundo de uma pessoa que vive em uma cidade grande. Assim também, toda a realidade de vida dessa pessoa passa a ser a leitura do que ela faz dos fenômenos que a cercam e das conclusões que ela chega, ou seja, a verdade dela pode ser diferente da verdade das demais, opa, isso pode explicar muita coisa sobre o modo das pessoas pensarem, bem como, o porquê delas acreditarem em determinadas coisas e em outras não. Assim, penso eu que o problema desse tipo de pensar é que, tanto, o mundo como a verdade e demais coisas são criados a partir da subjetividade de cada um, o que me leva a idéia de que tudo é relativo, uma determinada coisa pode ser assim e assado para mim e para você não. Acho isso um tanto quanto perigoso, pois se tudo é relativo, logo minhas ações, sejam elas boas ou más, serão justificadas pela minha visão de mundo. As ações boas são louváveis e bem vindas, já as más, muitas vezes terão conseqüências ruins para a pessoa que pratica como para as pessoas que sofrerão tais ações. Pois se tudo é relativo, também tudo é permitido desde que eu tenha feito a minha leitura e tenha me convencido de que aquilo vale à pena realizar.

Por outro lado, temos a teoria platônica sobre o mundo, que diferente do que expus acima, não parte de uma concepção de criação da realidade, mas parte da concepção de que a realidade é acessada, ou seja, para Platão este mundo aqui é somente aparente, sensível, portanto imperfeito. Existe assim um mundo perfeito, que Platão chama de mundo inteligível ou supra-sensível e, neste mundo perfeito, onde tudo é perfeição, Platão concebe idéias perfeitas, mas ou menos assim: quando penso em cadeira, tenho a idéia de um objeto que serve para sentar, que tem um encosto para escorar minhas costas, que tem uma base fixa onde me apoio e assim não caio no chão, a idéia de cadeira perfeita. Já a representação de cadeira no mundo sensível é imperfeita, porque é apenas uma cópia da idéia perfeita e sofre mutações tipo: pode ter quatro pernas, ou três, pode ser acolchoada ou não e coisas e tais. Porém a essência de cadeira continua, quando lhe falo a palavra cadeira o que vêm a sua mente é a essência de cadeira e não as muitas formas e modelos de cadeiras que por ai possam existir. Acho que me fiz entender, vamos avante. Portanto, para Platão existe uma essência, uma idéia absoluta de cadeira, que é a perfeita, dessa mesma forma existe uma essência, uma idéia de verdade absoluta, opa, portanto para Platão existe não uma verdade relativa, mas sim uma verdade absoluta, que serve de modelo para o mundo sensível, uma verdade um critério em que os homens devem basear seus pensamentos e intenções, tipo uma regra a seguir ela não pode oscilar, ser ao mesmo tempo absoluta e relativa, é uma verdade segura e sem engano, parece mais um dogma. Assim, penso eu, que a realidade do mundo não é mais a leitura que faço dele nas coisas reais e existentes, mais a leitura que eu acesso dele no mundo inteligível. E como isso se dá? Pelo processo que Platão chama de reminiscência, anamnese, ou seja, lembrança do que a alma contemplou quando ainda estava no mundo inteligível e tinha a visão direta das idéias perfeitas. Portanto, partindo desta teoria posso dizer que o conhecimento é inerente ao homem, bastando para tanto acessá-lo no mundo inteligível por meio de esforço, estudo e ai lembrar o que ele já sabia antes mesmo de nascer. Assim seguindo o raciocínio de Platão, nossas ações não podem ser realizadas ao bel-prazer, mas terão de seguir uma ordem de justiça, de belo, de verdade e etc., que são idéias absolutas.

É agora, quem está certo? Confesso que não sei responder e pra ser sincero acho que talvez nunca chegarei a saber, mas enquanto isso, sigo minha vida pensado sobre o assunto e refletindo como posso ajudar as pessoas em suas jornadas por este mundo, que dependendo do modo de pensar pode ser uma coisa para um e outra coisa para outro.

Fui...................................................................      

Edney Silva     

Discurso Decisivo de Averróis


UNIVERSIDA ESTADUAL DO CEARÁ – UECE
    CENTRO DE HUMANIDADES
    LICENCIATURA EM FILOSOFIA
    


DISCURSO DECISIVO DE AVERRÓIS



Por:  Edney de Oliveira da Silva 



Resumo: A luz da Lei religiosa, o estudo da filosofia e das ciências logicas é permitido ou proibido? O filósofo Abu Al Walid Muhammad Ibn Ahmad Ibn Rushd, conhecido como Averróis, tenta responder a esta indagação e, para tanto, utiliza-se de argumentos jurídicos, a fim de convencer os seus leitores sobre a necessidade do estudo da filosofia e das ciências lógicas, uma vez, que, a Lei religiosa que para os muçulmanos confunde-se com as sua Escrituras Sagradas, o Alcorão, de certa forma recomenda e até estimula o fiel a examinar as provas da sua religião, por meio do exame minucioso dos seres criados, porquanto, examinando as provas da existências dos seres criados, o fiel chega por conseguinte, a prova da contundente criação de todas as coisa por Deus. Posto que seja,  a  interpretação da Lei religiosa em dois sentidos distintos, a saber, o sentido óbvio e o sentido oculto, Averróis proclama a comunidade muçulmana a recorrer aos homens que ele designa de demonstrativos, ou melhor, homens da ciência, os filósofos, que sendo sábios e possuidores de uma interpretação peculiar, possam externar suas interpretações a massa , sem serem interpolados pelas interpretações falaciosas dos dialéticos, a quem Averróis  chama de teólogos, os quais iludem as massas de fieis muçulmanos com as suas deturpações da Lei religiosa. Para Averróis os filósofos deveriam expressar suas interpretações da Lei religiosa diretamente para a massa dos fieis muçulmanos, sem qualquer que seja a intervenção dos teólogos, que costumavam combater os filósofos insinuando que os mesmos eram infiéis as Leis religiosas, porquanto as suas interpretações discordavam das instruções do Alcorão, a essas acusações Averróis argumenta tratar-se apenas de opiniões distintas mais que no final queriam dizer única e a mesma coisa, ou seja, para Averróis existiam duas verdade, onde uma proposição pode ser filosoficamente falsa e teologicamente verdadeira e vice-versa.          

Palavra-Chave: Lei religiosa, Ciência Lógica, Interpretação, Filosofia, Teologia.  

I - INTRODUÇÃO




O presente artigo discorrerá sobre a obra de Abu Al Walid Muhammad Ibn Ahmad Ibn Rushd, mais conhecido como Averróis, intitulada “discurso decisivo”. Onde o autor utilizando-se de sua habilidade jurídicas, tenta demonstrar por meio de argumentos lógicos  a conexão existente entre a filosofia e a Lei religiosa. O artigo está dividido em duas partes, na primeira parte discorremos sobre os principais argumentos apresentados por Averróis a fim de demonstrar se sobre o ponto de vista da Lei religiosa é permitido ou não o estudo da filosofia e das ciências lógicas. Conduzindo seus argumentos por meio de uma linha de raciocínio jurídico, Averróis demonstra pela própria Escritura, que é a mesma Lei religiosa para a comunidade muçulmana, que é sim permitido ao fiel, não só conhecer, mas também praticar a arte da filosofia. 
Na segunda parte de nosso artigo, discorreremos sobre os três tipos de argumentos que Averróis se utiliza para validar a sua tese, e que se fundem e formam as três classes de pessoas, sendo assim apresentados: a primeira classe ele chama de retóricos e, constituem-se da grande massa, ou seja o povo, a segunda classe Averróis denominada de dialéticos, que são na verdade os teólogos mutazilitas e asharitas, e a terceira classe de pessoas Averróis chama de demonstrativos, para esses homens são na verdade os homens da ciência ou filósofos.



II – CONEXÃO EXISTENTE ENTRE A LEI RELIGIOSA E A FILOSOFIA


Abu Al Walid Muhammad Ibn Ahmad Ibn Rushd (1126 – 1198), conhecido no mundo ocidental por Averróis, nasceu em Córdoba, descendente de uma família de juristas tradicionais, era médico, filósofo e pensador islâmico, ficou mundialmente conhecido por seus comentários às obras do filósofo grego Aristóteles. Nesta obra, intitulada de discurso decisivo, Averróis apresenta sua visão particular sobre a relação entre a filosofia e a religião, no entanto, a obra não se propõe a ser um livro de filosofia, nem muito menos um livro de teologia, na verdade, trata-se de um parecer em termos jurídico, cujo objetivo visa esclarecer se é permitido ou não o estudo da filosofia pela Lei religiosa, nas palavras do próprio Averróis, “o alvo deste discurso é o de examinarmos, do ponto de vista da Lei religiosa, se o estudo da filosofia e das ciências da lógica é permitido pela Lei ou por ela proibido”[1].
Para Averróis a simples ação de filosofar, consiste em uma reflexão sobre as coisas que foram criadas e, que esta reflexão constitui a prova da existência, de quem Averróis designa de Artesão, ou seja, Deus. Segundo Averróis a Lei religiosa, recomenda que os seus fiéis reflitam sobre Deus. Assim, a ação de filosofar, como ato de reflexão sobre as coisas criadas, elevam o pensamento a Deus, “e se a Lei religiosa recomenda a reflexão sobre os seres existentes e mesmo estimula para isso, então é evidente que a atividade designada por esse nome (de filosofia) é considerada pela Lei religiosa seja como obrigatória, seja como recomendação”[2]. Posto que seja assim, Averróis chega à conclusão de que o próprio texto sagrado estimula o fiel muçulmano a examinar claramente sobre a sua religião, sem expressar receio alguma de que haja alguma contradição entre ela e a filosofia “certamente, nós, a comunidade dos muçulmanos, estamos convencidos de que a especulação demonstrativa não pode conduzir a conclusões diferentes daquelas contidas na Lei, já que a verdade não contraria a verdade, mas concorda com ela e dá testemunho em favor dela”[3]. Averróis segue combatendo em seu discurso aqueles que dizem que os homens que estudam filosofia se desviam do reto caminho e, de certa forma chegam a contraria a vontade de Deus, segundo Averróis esta premissa não é verdadeira, pois não se pode julgar o todo por apenas uma parte.
Dizemos ainda: proibir o estudo das obras de filosofia a quem está apto para fazê-lo, com pretexto de que terá sido por causa do estudo dessas obras que alguns homens, entre os mais abjetos, desviaram-se do reto caminho, equivale a proibir o sedento de beber água fresca e agradável até que morra de sede, pelo motivo de que outros que dele beberam engasgaram-se e morreram.[4]   

III – TRÊS CLASSES DE PESSOAS

Prosseguindo com o discurso decisivo, Averróis agora, apresenta a existência de três tipos de argumentos que são: Os argumentos retóricos, dialéticos e os demonstrativos, que se fundem em relação às Escrituras (alcorão) que também é a Lei religiosa. Segundo Averróis a primeira classe que ele chama de retóricos, constituem-se da grande massa, que são incapazes da menor interpretação da Lei religiosa e, que são levados pela falácia dos homens que fazem parte da segunda classe. Já a segunda classe, denominada por Averróis de dialéticos, são na verdade os teólogos mutazilitas e asharitas, quanto a terceira classe dos demonstrativos, Averróis os chama de homens da ciência ou filósofos. Averróis, concentra seus ataques nos homens da segunda classe que são os teólogos, os quais segundo Averróis pervertem as massas com suas falacias e acusações de que os filósofos são infiéis, principalmente, nas teses da eternidade do mundo, não conhecimento dos particulares por parte de Deus e ressurreição dos corpos e modalidade da vida futura, “a tese da eternidade; o não-conhecimento dos particulares por parte de Deus – Glorificado seja – mas O Altíssimo está muito acima de tudo isso; e quanto a interpretação dos enunciados revelados a respeito da ressurreição dos corpos e da modalidade da vida futura”[5].
Averróis pensa justamente o contrário, não são os filósofos por meio do argumento demonstrativo que pervertem as massas e, sim os teólogos, que constituem verdadeiro impasse intermediário, entre as massas e os filósofos que são impedidos de exporem suas interpretações da Lei religiosa. A partir daí, Averróis inicia uma série de argumentos em favor da interpretação demonstrativa, representada na pessoa dos filósofos, enquanto que os fieis que não conhecem as ciências, são pessoas que crêem em Deus, mas não possuem  o aporte da demonstração, “pois, de fato, os crentes que não são homens de ciência, são pessoas que crêem n'Ele sem o suporte da demonstração”[6], e que os filósofos foram caracterizados por Deus com uma crença a que lhes é de todo peculiar, sendo que os filósofos a desenvolvem por meio do argumento da demonstração e, se vem da demonstração este conhecimento percorre as vias da interpretação, pois Deus, assim declarou que exitem interpretações que são verdade e, a própria demonstração não chega  a nada que não seja a verdade.     
         E se provem da demonstração, caminha ao lado do conhecimento da interpretação, pois Deus – O Altíssimo, declarou que existiam interpretações que são a verdade; e a demonstração não chega a nada que não seja a verdade. Sendo assim, não é possível estabelecer, a propósito de interpretações que Deus considerou específicas aos sábios, a existência de um consenso realmente generalizado, eis aí, por si só, uma evidência para todo aquele  que tem bom senso.[7] 

      Quanto a afirmação dos teólogos, referente a infidelidade dos filósofos, tendo em vista os questionamentos da eternidade do mundo, não conhecimento dos particulares por parte de Deus e ressurreição dos corpos e modalidade da vida futura. Averróis, argumenta que referente a tese de que Deus não conhece os particulares, é justamente ao contrário, posto que os filósofos acreditam que Deus conhece sim os particulares, porém, Deus conhece por meio de uma ciência de gênero diferente da Lei religiosa. A ciência de Deus é do modo adventícia e a ciência do filósofo é do modo eterna, assim não se pode comparar as duas ciência, posto que são duas coisa contrárias em essência e especificidade. Já referente a questão da eternidade do mundo. Averróis, argumenta que a contrariedade se dá apenas por uma questão de denominação, tanto da parte do teólogos, como da parte dos filósofo, pois todos concordam em dizer que existem três qualidades do ser: dois extremos e, entre eles um intermediário e, que ambos estavam de acordo quanto à denominação dos extremos e discordavam quanto ao intermediário, um dos extremos é o ser que existe a partir de alguma coisa, diversa de si mesmo, ou seja, precisa de uma causa agente de uma matéria e é antecedido pelo tempo, já o outro extremos é o ser que não provem de alguma coisa e que não é precedido pelo tempo. Quanto ao ser intermediário, é o ser que não provém de alguma coisa e não é precedido pelo tempo, mas que existe por uma agente, é o mundo em sua totalidade.
        Assim, não procede a acusação dos teólogos de que os filósofos são infiéis quanto as suas interpretações da Lei religiosa, mas que ao contrário disso, os teólogos é que fazem  com que as palavras da Lei religiosa sejam pervertidas diante das massas, que por não terem condições mínimas de interpretação, são conduzidos por um caminho diferente do verdadeiro. Ademais, Averróis argumenta que ainda que os filósofos possam errar em suas interpretações da Lei religiosa, seus erros devem ser desculpável, pois este erro é semelhante ao erro de um renomado médico, quando se erra no exercício da medicina ou um juiz, por errar em no exercício de sua profissão, ou seja, a arte de julgar. Já os que erram por não pertenceram a classe dos homens de demonstração, e quando esse erros atentarem contra os princípios fundamentais da Lei religiosa, eles devem ser considerados  indesculpáveis e como tal tratado como uma inovação condenável.



IV. CONCLUSÃO

Nesta obra, Abu Al Walid Muhammad Ibn Ahmad Ibn Rushd (Averróis) nos faz refletir sobre um tema que ainda hoje é bastante peculiar para a sociedade hodierna. No decorrer de toda obra, Averróis procura demonstrar por meio da razão que é sim possível pensar a Lei religiosa muçulmana sob a égide da filosofia e, que a própria Lei até certo ponto recomenda e estimula o fiel muçulmano a examinar com clareza as razões de sua fé. Esse pensamento de Averróis é corroborado pela sua tese dos três argumentos que são: o retórico, o dialético e o demonstrativo, os quais são desenvolvidos em todo o discurso decisivo, e são representados por meio de três classes de pessoas, sendo a primeira, a grande massa, que no caso é o povo, o qual Averróis esclarece que são incapazes de qualquer interpretação da Lei religiosa, a segunda classe de pessoas são os teólogos que de certa forma impedem que a massa tenha a plena revelação da verdade e, por último a classe dos demonstrativos que no caso são os homens da ciência ou os filósofos, que possuem de Deus o dom da interpretação demonstrativa e, que corrobora com o fiel entendimento do Alcorão e não ao contrário como diziam os teólogos.          
Por fim, o Discurso Decisivo de Averróis, nos apresenta um tema bastante esclarecedor, quanto a fé muçulmano, posto que no pensamento ocidental, tem-se a impressão de que se trata de uma religião baseada em alicerces do fanatismo, sem qualquer prisma da razão e, é justamente o contrário disso que Averróis nos apresenta, ele louva o que está correto e critica o que está errado. Devemos seguir este exemplo e começarmos a pensar sobre o assunto e não aceitarmos todas as coisa que a nós são impostas pela religião denominante de nosso tempo.  


BIBLIOGRAFIA

Discurso Decisivo / Averróis; introdução Alain de Libera; tradução da introdução Márcia Valéria M. Aguiar; tradução do árabe Aida Ramazá Hanania; revisão da tradução do árabe Helmi M. I. Nasr. - São Paulo: Martins Fontes, 2005 - (Clássicos).


[1]  Averróis. Discurso Decisivo, p. 3. 
[2]  Idem. P. 3
[3]  Idem, p. 21
[4]  Averróis. Discurso Decisivo, p. 17. 
[5]   Idem. P. 31
[6]   Idem. P. 33
[7]   Averróis. Discurso Decisivo, p. 33.