Edney
de Oliveira da Silva*
edneyonline@gmail.com
Resumo:
Em que consiste a visão dualista dos personagens Stepan e Yanek? Tomando por
base a obra Os Justos, do filósofo Albert Camus, este artigo analisará o
pensamento do autor, pautado nas ações dos respectivos personagens, quanto à
questão do terrorismo, e procurará desenvolver os motivos que levaram cada um
deles a pensar de forma antagônica e dualista. Para o autor, Stepan age pela
emoção, não vislumbrando problema algum se as ações do terror causarem dor e
infortúnio ao povo russo. Já Yanek tem uma perspectiva diferente. Ele ama a
beleza e a felicidade, suas ações são metodicamente analisadas pela razão e
procura sempre agir motivado pelo sentimento de justiça e honra, minimizando os
fins em favor da causa.
Palavra-Chave:
Os Justos. Terrorismo. Justiça. Honra. Revolução.
ABSTRACT: What is the dualistic view of the characters
and Stepan Yanek? Based on the book The Righteous, the philosopher Albert
Camus, this article will examine the author's thought, based on the actions of
their characters, on the issue of terrorism, and seek to develop the reasons
why each of them to think and antagonistic dualistic. For the author, Stepan
acts by emotion, not overlooking any problem if the actions of terror causing
pain and misery to the Russian people. Yanek already has a different
perspective. He loves the beauty and happiness, their actions are methodically
examined by reason and always tries to act motivated by a sense of justice and
honor, minimizing the purpose for the cause.
Keyword: The Righteous. Terrorism. Justice. Honor.
Revolution.
O presente artigo discorrerá sobre o
tema: visão panorâmica do terrorismo dualista e antagônico, desenvolvido na
obra Os Justo, de Albert Camus. No primeiro momento apresentaremos os membros
do grupo de combate, as funções e atribuições de cada um, bem como o ambiente aonde
se desenrolará o planejamento e a execução das ações terrorista em desfavor do
grão-duque Sérgio. Em seguida abordaremos as discussões entre os personagens
quanto ao acontecimento da hesitação do Yanek, em não realizar o lançamento da
bomba na carruagem do grão-duque, pelo motivo de haver crianças em companhia do
tirano. Nesse ponto, vislumbraremos sobre os motivos e causas do dualismo e
antagonismo das ações terroristas dos personagens Stepan e Yanek.
II -
DESENVOLVIMENTO
A obra Os Justo, do filósofo Albert
Camus inicia-se na Rússia do começo do século XX, governada por um Czar tirano,
denominado de grão-duque Sérgio, acusado de déspota pelo Partido Socialista Revolucionário,
o qual designa um grupo de jovens revolucionários para usarem a arma do terror
contra o tirano do povo russo. Para execução do plano terrorista, a organização,
como é chamada na própria obra, confia à chefia do grupo de combate à Annenkov,
também chamado Boria, a quem cabe o planejamento do evento, Annenkov reúne os
seguintes membros: Dora, que era responsável pela confecção dos artefatos
explosivos. Stepan recém saído da prisão na Suíça, veio para ajudar Dora em
substituição a Schweitzer, falecido em um acidente quando um tubo de uma bomba
se partiu. Voinov, estrategista e responsável pelo lançamento da segunda bomba
e Kaliayev, conhecido também por Yanek, a quem caberia o lançamento da primeira
bomba.
Ação terrorista inicia-se com a chegada
de Stepan a casa onde os revolucionários se reuniam, após os cumprimentos e uma
recepção amável, chegam também a casa Voinov e Yanek. A partir daí, podemos
observar claramente a distinção que Camus, faz entre os personagens Stepan e
Yanek, quanto ao significado da ação terrorista do grupo de combate para
revolução em prol do povo Russo. De pronto, Camus nos diz que para Stepan “só
as bombas são revolucionárias” (Os Justo, 1º ato, pg. 10), enquanto que, para
Yanek “a poesia é revolucionária” (Os Justo, 1º ato, pg 10). No decorrer da
obra, Camus trabalha as duas posições dos personagens. Stepan é um sonhador,
quer a todo custo vencer a tirania, para ele não importa o meio e sim o fim,
desde que o objetivo seja alcançado. Por isso, Stepan propõe que o partido necessita
de mais disciplina, mais firmeza em suas ações, ou seja, precisa ser dirigido a
mão-de-ferro, Stepan se autodenomina “sou duro. Mas para mim, o ódio não é um
jogo. Não estamos aqui para nos admirarmos uns aos outros. Estamos aqui para
vencer” (Os Justo, 1º ato, pg. 25). Yanek é pensador do tipo racional, como os
demais revolucionários ele acredita na revolução, quer se oferecer em
sacrifício, quer também matar o tirano, mas não em causa própria, e sim em nome
do povo russo, Yanek se autodefine “o que acontece é que, para mim, a vida
continua a ser uma coisa maravilhosa. Amo a beleza, amo a felicidade! É por
isso que odeio a tirania” (Os Justo, 1º ato, pg. 29).
Camus segue explorando seus personagens
quanto ao significado da ação terrorista. Stepan, em seu sonho radical, sugere
até mesmo a destruição de Moscou, perguntando a Dora sobre a necessidade de
bombas para a destruição “quantas seriam necessárias para destruir Moscou?” (Os
Justo, 1º ato, pg. 11), para Stepan a justiça é mais alta que a vida, não
importa se algumas centenas de pessoas morram e sim que esse ato possa trazer paz
e alívio para as gerações futuras. Dessa forma, o terrorismo é necessário até
mesmo quando o povo rejeita a revolução, neste caso é preciso salvar o povo de
si mesmo e da escravidão. Stepan acredita não haver limites para as ações do
grupo de combate “nada do que pode servir a nossa causa pode ser proibido” (Os
Justo, 2º ato, pg. 56), mesmo que essas ações acarretem dor e sofrimento e, não
poupa críticas a Yanek e ao grupo de combate terrorista, pelo fato do Yanek não
ter lançado a bomba, sob alegativa de haver crianças na carruagem do grão-duque.
Inclusive, Stepan chega a sugerir que os seus camaradas não acreditavam na
revolução, pois se acreditassem se tivessem certeza do que estavam realizando
não hesitariam nem por um minuto e tudo fariam pela vitória, a fim de construir
uma Rússia livre da tirania e opressão do grão-duque Sérgio. Para ele a bomba
deveria ser lançada não importava qual situação se apresentasse, pois este ato
representaria uma Rússia justa e liberta da escravidão, com dias melhores para
os futuros cidadãos russos.
Já para Yanek e os demais membros do
grupo de combate nem tudo é permitido, pois até mesmo nos atos das ações
terroristas existem limites a serem cumpridos “mesmo na destruição há uma
ordem, há limites” (Os Justo, 2º ato, pg. 58). Por isso, Yanek não pôde de modo
algum lançar a bomba sobre a carruagem do grãp-duque e argumenta “Irmãos, quero
falar-vos com franqueza e dizer-vos ao menos isto, que poderia ser dito pelo
mais boçal dos nossos camponeses: matar crianças é contrário à honra” (Os
Justo, 2º ato, pg. 62). Além disso, Yanek contava com o apoio dos demais
membros do grupo de combate, os quais estavam de comum acordo que, caso a
organização tolerasse o assassinato de crianças por meio de bombas, poderia até
mesmo perder seus poderes e influência junto ao povo russo “abre os olhos e
compreende que a organização perderia os seus poderes e a sua influência se
tolerasse que assassinássemos crianças à bomba” (Os Justo, 2º ato, pg. 54).
Yanek acredita na revolução para os que vivem hoje, para os que usufruem da
terra agora e são estes que ele saúda, e são para estes que ele luta, são para
estes que ele doa a sua vida em sacrifício, não por uma cidade futura, de que
se quer se tem certeza de existir.
Desse modo, Yanek não poderia ir de
forma alguma contra a vontade dos seus irmãos “não aumentarei a injustiça viva,
em nome de uma justiça morta” (Os Justo, 2º ato, pg. 62), para Yanek, estar
lado a lado com os seus camaradas na frente de combate em defesa do povo russo só
há de ter sentido se todos os seus atos forem justificados pela honra “sabes
bem que é assim e sabes também que há uma honra na revolução” (Os Justo, 2º
ato, pg. 63). E que se um dia estando o próprio Yanek ainda vivo a revolução
abandonasse a honra, ele a largaria sem hesitar “e se um dia estando eu vivo, a
revolução renunciasse à honra, voltar-lhe-ia as costas” (Os Justo, 2º ato, pg.
62), pois Yanek não se julga e não quer de modo algum ser um assassino, pelo
contrário ele se julga um justiceiro da causa da revolução, porque na verdade
ele não está matando um homem e sim o que este homem representa, no caso, a
opressão, a escravidão, a fome, a morte, a tirania, o poder absoluto e
arbitrário do grão-duque Sérgio, o próprio despotismo em pessoa “não vou matar
um homem. Vou matar o despotismo” (Os Justo, 1º ato, pg. 37). Acercado deste
raciocínio, Yanek lança, dois dias depois da hesitação, a bomba sobre a
carruagem do grão-duque. Desta vez o atentado terrorista tem endereço certo e acaba
de vez com a vida do tirano opressor do povo russo. Yanek, segui, seu destino,
qual seja, para a prisão e o cadafalso, onde morre diante do povo russo, enfim
ele recebe sua justificação “Morrer pela idéia é a única forma de estar à
altura da idéia. É a justificação” (Os Justo, 1º ato, pg. 32).
Nesta obra, Camus nos faz refletir sobre
a dualidade de pensamentos antagônicos de seus dois personagens a respeito do
mesmo assunto: terrorismo. Com Stepan, vimos um terrorista ávido, absorto,
imerso em suas próprias convicções e alheio a tudo o que está ao seu redor,
agindo por impulso e, acima de tudo, mergulhado em suas paixões e emoções,
procurando a todo custo à libertação de seu povo das garras tirânicas do
grão-duque, mesmo que para isso a dor e a tristeza sejam apresentadas ao povo
russo, ainda que de forma momentânea, mas que por fim trará libertação e a
felicidade para as futuras gerações da Rússia. Em contrapartida, Yanek é um
terrorista convicto, racional, procura sempre agir de acordo com os preceitos
da razão. Assim como Stepan, ele também busca a libertação do povo russo, só
que para Yanek, nem tudo é permitido. As ações que causem dor, sofrimento e
solidão devem ser repudiadas, um terrorista deve guiar-se sempre pelo
sentimento de honra e de dignidade em busca de seus objetivos. Por isso, Yanek não
lançou a bomba na carruagem do grão-duque, quando este estava em companhia dos
seus sobrinhos, a fim de evitar a morte de pessoas inocentes o que seria
completamente desnecessário e não traria nenhum beneficio a causa da Revolução.
Por fim, podemos concluir que o
pensamento desenvolvido pelos personagens Stepan e Yanek na Obra Os Justo,
podem ser observados hoje em dia, em ações terroristas em todo mundo, no caso
de Stepan, podemos citar os ataques terroristas do dia 11 de setembro de 2001, quando
aviões foram arremessados em diferentes pontos dos Estados Unidos da América,
matando quase 3.000 vítimas, bem como, vários outros atentados, os quais tinham
objetivo de protesto e de liberdade, sentimentos legítimos de justiça, no entanto,
não levaram em consideração as conseqüências advindas destes ataques, as quais
foram deveras negativas para os objetivos propostos. No caso do Yanek, podemos
citar, como exemplo, as manifestações de protestos que estão ocorrendo no Egito
contra o ditador Hosni Mubarak, há trinta anos no Poder, sendo ele só o alvo
das manifestações, apesar da violência, esse tipo de terrorismo tem ganhado
apoio de várias partes do mundo porque luta por justiça entrelaço por um
sentimento de honra contra o Poder absoluto e arbitrário dos tiranos opressores
do mundo. Assim devemos lutar por nossos objetivos, não baixando nunca a cabeça
diante de nossos opressores, devemos sim, ao contrário deles, pautar nossas
ações pelo mesmo sentimento do personagem Yanek, ou seja, agir com justiça,
dignidade e principalmente, com honra.
Camus,
Albert, Os Justos. Tradução de Robson dos Santos, Editora Deriva, Porto Alegre,
2007.
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