SOBRE A CRÍTICA DOS
DIREITOS HUMANOS E DA IDEOLÓGIA DO ESCLARECIMENTO, SEGUNDO ROBERTO KURZ
Por: Edney de Oliveira da Silva
Resumo: Quem em sã consciência seria contrário
aos direitos humanos? O filósofo e sociólogo Roberto Kurz nos faz refletir que
é possível sim ser contrário aos direitos humanos. Ele nos apresenta uma nova
perspectiva quanto ao pensamento que desenvolveu os direitos humanos e como
esse dito direitos humanos tem se apresentado na sociedade hodierna, de uma
forma clara e precisa Roberto Kurz nos faz enxergar além das aparências de
bondade dos direitos humanos e nos mostra qual a sua verdadeira finalidade.
Palavra-Chave: Direitos Humanos, Direito Natural,
Mercado, Trabalho.
I - INTRODUÇÃO
O presente
artigo discorrerá sobre a tese do filósofo e sociólogo Robert Kurz, mais
precisamente sua critica aos direitos humanos. Seu pensamento é nos apresentado
de forma clara e objetiva, baseando suas afirmações de forma jurídica, ele
percebe que o mesmo critério é utilizado para o reconhecimento dos indivíduos
por parte os direitos humanos, sendo que o processo de transformação do
indivíduo enquanto sujeito dos direitos humanos, tem como pressuposto o fator
econômico em detrimento do próprio indivíduo enquanto pessoas em si, ela é
desnuda de toda sua forma isso culturalmente e socialmente.
A fim de
facilitar nosso estudo dividimos este artigo em duas partes: na primeira
apresentamos uma breve e suscita história dos direitos humanos, abrangendo sua
suposta origem e seu desenvolvimento através dos tempos, chegando até a
modernidade com um discurso de igualdade e dignidade entre as pessoas. Já na
segunda parte expomos os principais aspectos do paradoxo dos direitos humanos,
em relação a suas próprias ações, que de certa forma são contraditórias e
divergentes e que vistas do ponto de vista do autor representam uma verdadeira
ameaça a dignidades das pessoas enquanto cidadãs possuidoras de direitos
inalienáveis.
II – BREVE HISTÓRICO DOS DIREITOS HUMANOS
Com intuito
de melhor expor a tese de Robert Kurz acerca de sua crítica aos Direitos
Humanos, faz-se necessário, iniciar este artigo com um breve esboço histórico
dos Direitos Humanos e a sua expansão no mundo hodierno. A princípio os
direitos humanos são resultados de um longo e demorado processo histórico,
tendo sido causa de debates calorosos por séculos entre teóricos e intelectuais.
Segundo a Antropóloga Ivete Manetzeder, a gênese dos direitos humanos é uma
combinação da filosofia Estóica, Iluminismo e Cristianismo.
Nascidos da
tradição ocidental (mas não inerentes a ela), numa combinação da filosofia
estóica com o iluminismo, como querem alguns, ou no cristianismo, como querem
outros, os direitos humanos, ainda como temas humanitários estóicos e cristãos,
foram acolhidos pela tradição de mais de dois mil anos do Direito natural,
estendendo-se desde a antigüidade até a jurisprudência racional da era moderna.
Nessa
tradição podemos perceber que o início dos direitos humanos remete-nos para a
área da religião, mormente o Cristianismo, com sua afirmação da defesa da
igualdade de todos os homens numa mesma dignidade, em que o indivíduo está no
centro de uma ordem social e jurídica justa, bem como o estoicismo que propõe
ao homem viver de acordo com a lei racional da natureza, daí o embrião do
direito natural como forma do direito humano, que foi desenvolvido na Idade
Média, pelos matemáticos cristãos.
Com o
advento da Idade Moderna, os racionalistas dos séculos XVII e XVIII, reformularam
a teoria do direito natural, tirando dela o caráter de submissão a ordem
divina, com isso o direito natural deixou de ter seu foco no Cristianismo, e
passou a basear-se na razão, para os filósofos racionalistas todos os homens
são por natureza livres e têm certos direitos inatos de que não podem ser
despojados quando entram em sociedade, tais como: direitos econômicos,
políticos e religiosos. Foi esta corrente de pensamento que acabou por inspirar
o atual sistema internacional de proteção dos direitos do homem.
Um dos
principais fortalecimentos dos Direitos Humanos deu-se após a Segunda Grande
Guerra Mundial, em 1945, quando foi criada a Organização das Nações Unidas –
ONU, que tem como principal objetivo manter a paz, a segurança internacional,
desenvolver relações amigáveis entre as nações, realizar a cooperação
internacional resolvendo problemas internacionais de caráter econômico, social,
intelectual e humanitário, desenvolver e encorajar o respeito pelos direitos
humanos e pelas liberdades fundamentais sem qualquer tipo de distinção.
Nesse
contexto, firmam-se os Direitos Humanos modernos, uma forma de redoma protetora
para os países que a ele se filiam por intermédio da ONU, Organização esta que
de certa forma é capitaneada pelos Estados Unidos da América que comanda o
restante dos países ricos e poderosos, assim seguindo essa política americana a
ONU estabelece resoluções aos demais membros e, aqueles que as seguem fiel e
cegamente vivem em demasiada paz, aos que lhe são contrários, cabem apenas
sanções e proibições as mais diversas possíveis, inclusive uma completa inércia
e indiferença ao valor do ser humano, pois quando a ONU, fecha os olhos às
barbáries das guerras civis injustificáveis, mortes por inanição, extermínio e
tráficos de drogas, só para citar alguns.
Ora, todos nós
sabemos que persistentes violações dos direitos civis, políticos e sociais são
tristes realidades em todas as regiões do mundo, sobretudo nos países
periféricos nos quais atingem níveis de indecência e monstruosidade. Estas
violações além da tortura e dos tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes,
incluem as execuções sumárias e arbitrárias, os desaparecimentos, as detenções
arbitrárias, o racismo em todas as suas formas, a discriminação racial e o
apartheid, a ocupação e dominação estrangeiras, a xenofobia, a pobreza, a fome
e outras denegações dos direitos econômicos, sociais e culturais, a
intolerância religiosa, o terrorismo, a discriminação contra a mulher e o
atropelo das normas jurídicas.
Assim,
quando a ONU se presta a esse desserviço, ela nega completamente seu papel,
rotulado no primeiro capitulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
quando afirma “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em
direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros
em espírito de fraternidade.”
III. PARADOXO DOS DIREITOS HUMANOS
A grande
questão dos direitos humanos para Roberto Kurz, não está na forma de suas ações,
mas sim na contradição destas ações. “É em nome dos direitos humanos que cai a
chuva de bombas; e é em nome dos direitos humanos que as vítimas são assistidas
e consoladas.”,
para o autor não se pode falar em direitos humanos enquanto, países ricos são
validados por esse mesmo direitos humanos a realizarem verdadeiras matanças,
muitas vezes com números de vítimas bem maiores que as barbáries dos ditadores
e terroristas “Se há um direito à vida e à integridade física, como se pode
aceitar então, com anuência, que as intervenções militares ocidentais matem
mais pessoas inocentes que as atrocidades dos ditadores e dos terroristas?”, nesse
sentido há para Roberto Kurz uma verdadeira contradição, ou seja, as grandes
potencias mundiais que em certo sentido manipulam os direitos humanos apontam a
arma em direção ao próprio pé “Trata-se simplesmente de uma incoerência do
poder imperial ocidental que pisa em seus próprios princípios?”
Na
perspectiva de Robert Kurz para “ser” ser humano é preciso estar condicionado
às normas do mercado, é preciso produzir, ser ativo no plano econômico,
participar de alguma forma do processo de valorização do capital, enfim é
preciso ser capaz de trabalhar, ou seja, produzir a qualquer custo, chegando-se
ao extremo de vender o próprio corpo, portanto, para o autor, ser humano é ser
um simples objeto, em ação da liberdade do mercado.
Somente um ser
que ganha dinheiro pode ser um sujeito do direito. A capacidade de entrar numa
relação jurídica está ligada, portanto, à capacidade de participar de alguma
maneira no processo de valorização do capital. Conforme essa definição, o ser
humano tem de ser capaz de trabalhar, ele precisa vender a si mesmo ou alguma
coisa (em caso de necessidade, próprios órgãos do corpo), sua existência deve
satisfazer o critério da rentabilidade. Esse é o pressuposto tácito do direito
moderno em geral, ou seja, também dos direitos humanos.
Assim, o
ser humano está condicionado a uma condição de completo abandono e, mesmo de
desprezo, pois nessa ótica apresentada por Robert Kurz, o ser humano só vale
alguma coisa quando ele pode pagar por suas dívidas. “Ano após ano morrem
milhões de pessoas (inclusive crianças) de fome e enfermidades pela simples
razão de não serem solventes.”, nesse sentido, podemos claramente aduzir da
tese de Robert Kurz, que para os direitos humanos o ser humano é em princípio
um ser solvente, e quanto mais solvente ele for mais humano ele será, por outro
lado, o ser humano insolvente, não pode de nenhuma maneira ser considerado ser
humano, ou seja, essa pessoa é tudo menos humano, ela é compara com a zoé, ou
vida nua do filósofo italiano Giorgio Agamben.
A definição
de ser humano para Robert Kurz encontra seu paradoxo na definição da forma do
direito moderno, que segundo ele implica em uma relação de inclusão e exclusão,
ou melhor, formulado de reconhecimento e não reconhecimento. Sendo esse reconhecimento
uma forma de julgamento puramente exterior a pessoa, que é tratada como um ser
humano abstrato, um ser totalmente abstraído de sua forma física, de suas
necessidades corporais, sociais e culturais, uma mera abstração, que só possui
sentido quando atrelado ao fator econômico, “O ser humano em geral visado pelos
direitos humanos é o ser humano meramente abstrato, isto é, o ser humano
enquanto portador e ao mesmo tempo escravo da abstração social dominante. E
somente como este ser humano abstrato ele é universalmente reconhecido.”.
Prosseguindo, Roberto Kurz , esclarece que existe um verdadeiro processo
seletivo de submissão e reconhecimento para transformação dos seres humanos em
sujeito abstrato, portanto sujeitos do direitos humanos, sendo esse reconhecimento
levado as últimas conseqüências e, caso não seja mais possível esse
reconhecimento será utilizado, inclusive derramamento de sangue. “E caso
necessário, os mísseis ou, como ultima ratio, as bombas atômicas
terminarão definitivamente o (procedimento de reconhecimento), afim de levar os
indivíduos não mais capazes de reconhecimento ao status de matéria física”.
Dessa forma
e, por esses motivos Roberto Kurz deduz que a promessa dos direitos humanos é
sobretudo uma grande ameaça no sentido de apenas reconhecer o ser humano apto
para ações desse mesmo direitos humanos na medida em que as pessoas são ou
tornam-se um ser solvente e por conseguinte um ser humano.
IV – CONCLUSÃO
A tese apresentada por Robert Kurz, no que diz
respeito a critica aos direitos humanos é por demais valiosa no sentido de que nos
fazer refletir sobre a causa primeira desse direito, ninguém em sã consciência
seria capaz de ser contrario aos direitos humanos na roupagem em que ele é
apresentado hoje às pessoas. No entanto, Roberto Kurz nos mostra que essa
roupagem a nós induzida é totalmente falsa e mais, é totalmente contrária aos
ideais promovidos pelo próprio direitos humanos. Frases populares como
“direitos humanos, para humanos direitos”, após o estudo dessa tese, tomou para
mim outro significado, pois como pode haver humanos direitos se não há
reconhecimento desses humanos por parte dos direitos humanos. Como seres
humanos podem se tornar humanos direitos se há eles são negados direitos básicos
como educação, saúde, segurança, moradia, lazer e, até mesmo o direito a
própria vida, isso para citar apenas alguns. Pessoas são desrespeitadas todos
os dias, seus direitos são simplesmente negados, sua cidadania não é levada a
sério, são reduzidos a uma vida de sofrimento e solidão, verdadeiros guetos são
formados com intuito de deixarem esquecidos no tempo e espaço pessoas que não
são reconhecidas pelos ditos direitos humanos.
Por fim, a
tese é bastante pertinente, pois nos faz refletir sobre a situação a que
estamos submetidos, e como deixamos chegar a esta ponto. Será realmente
necessário ao ser humano enquanto pessoa que ostenta uma cidadania, ser
submetida ao reconhecimento dos seus direitos mediante sua situação econômica?
Essa indagação a princípio parece ridícula e sem nexo, mas é justamente o que
acontece, e sendo esta a situação atual, necessitamos de uma urgente
transformação e reconhecimento não mais da pessoa pelos direitos humanos, mas
ao contrario as pessoas é que devem reconhecer estes direitos humanos, a fim de
transformá-los em uma situação a favor daqueles que realmente necessitem de seu
apoio e, não que os direitos humanos tenham seu carro chefe organizações e até
mesmo países ricos e poderosos e que só agem a favor dos seus supostos
donos.
BIBLIOGRAFIA
Os
Paradoxos dos Direitos Humanos de Autoria do Filósofo Robert Kurz.
Artigo: Paradoxo
dos Direitos Humanos no Capitalismo Contemporâneo de Autoria da
Antropóloga Ivete
Manetzeder, pg 1.